sexta-feira, 30 de abril de 2010

4ª Coxilha Nativista - 1984




Pesquisa e Reportagem: Rômulo Seitenfus
Foto: Acervo Coxilha Nativista

A 4ª Coxilha Nativista foi realizada em 1984, sendo considerado em toda a história do evento, o ano de maior qualidade na questão musical. Mais de 270 composições foram inscritas. Participaram 36 músicas e 11 gêneros disputaram os troféus. Chimarrita, valsa, milonga, vanera, toada, canção, xote, bugio, rancheira, polca e toada milongueira.
A Orquestra Sinfônica de Porto Alegre – OSPA - apresentou um repertório de músicas nativistas na abertura, pela primeira vez no palco de um festival nativista.
A mesa da Câmara Federal, por intervenção do deputado federal Amaury Müller, liberou uma verba de CR$ 3 milhões em favor do nativismo regional.
Os troféus da 4ª Coxilha foram confeccionados pelo artista plástico cruz-altense Luis Aléssio Rubin. O escultor produziu estatuetas estilizadas, diferente dos anos anteriores que representavam figuras humanas. As premiações eram personagens da literatura regional, como as criaturas de Erico Verissimo, representadas pelas imagens de Ana Terra e Capitão Rodrigo. A Comissão Central da Coxilha entendeu que, nessas estatuetas eram cometidas algumas incoerências principalmente na indumentária desses personagens, não por parte dos artistas que produziram os troféus, mas pelos livros ou autores usados como referência. Há o exemplo do personagem Capitão Rodrigo, de Erico Verissimo, que chegou ao povoado de Santa Fé por volta de 1828, vestindo um Salman militar e uma bombacha. Mas, pelos registros históricos, a bombacha apareceu no Rio Grande do Sul somente em 1865 durante a Guerra do Paraguai. Para evitar esse tipo de disparidade nos aspectos culturais, a comissão organizadora do evento optou por troféus estilizados.
Outra modificação na quarta edição do ano de 1984 foi em relação ao símbolo do evento, o “Gaúcho Correntino”. A figura do gaúcho sentado tocando um violão manteve-se durante as três primeiras edições como parte da divulgação do evento. A partir da 4ª Coxilha a Comissão Cultural entendeu que, o tipo retratado simboliza muito mais o gaúcho correntino e o gaúcho platino, do que o tipo riograndense, dos pampas. A forma do símbolo permaneceu a mesma, mas com uma estampa focada no pampa riograndense, servindo de modelo Beto Barcelos, do grupo musical nativo cruz-altense Canto Nativo, hoje figura conhecida por contribuir com a história da Coxilha. Seu nome está marcado em diversas premiações do festival.
A decoração do Ginásio Municipal foi assinada por Carlitos, de Santa Maria, que pintou três painéis no fundo do palco retratando temas gauchescos.
Polca de Relação, de Elton Saldanha e João de Almeida Neto, não agradou o público. Recebeu vaias durante a apresentação, mas foi a grande vencedora. A música, em versos de amor, transpõe a disputa pela conquista da mulher amada. O segundo lugar classificou-se a música mais polêmica da história da Coxilha Nativista. Morocha, uma rancheira de autoria de Mauro Ferreira e Roberto Ferreira, de Santa Maria. Interpretada por David Menezes Júnior e com acompanhamento do Grupo Os Incompreendidos, a música também recebeu o troféu Lenda da Panelinha por ser considerada a mais popular, além dos vários prêmios que, num total de cinco, também a fizeram campeã desse festival: Troféu Romano Zanchi, oferecido por um júri especial da imprensa de Cruz Alta à Música Mais Popular, troféu Capitão Rodrigo, para o Melhor Intérprete, David Menezes Júnior, e Troféu Grazzito para a Melhor Indumentária com Os Incompreendidos.
A música Morocha foi alvo de críticas por boa parte das mulheres presentes nas mesas e arquibancadas do Ginásio Municipal. Por outro lado agradou parte do público masculino. Dividindo reações na plateia, grande parte dela protestava contra a letra, que pode ser interpretada como uma sátira ao machismo exagerado. A repercussão da polêmica foi tamanha e o assunto caiu nas graças dos jornalistas de todo país. O programa televisivo “Fantástico”, da Rede Globo, divulgou a Coxilha Nativista e o tema do machismo. A partir desse momento o festival passa a ter projeção nacional e a música torna-se a mais marcante da história das Coxilhas.
A pesquisadora Maria Elisabeth Vescia de Azambuja, mestra em História Regional, analisa a música.
- Nesta composição, tematiza-se a supremacia masculina que também pode ser interpretada como uma sátira ao comportamento excessivamente machista do homem. A interlocutora do protagonista é uma égua sobre a qual ele lança um alerta em forma de ameaça, caso ela não se submeta ao seu jugo. Trata-se de uma letra polêmica onde o domador sugere que os mesmos métodos utilizados para a doma do animal redomão - como maneia nas patas, pelego na cara e surra de mango - sejam empregados para a dominação da conduta rebelde da mulher, ignorando a diferença existente entre as duas personagens – interpreta a pesquisadora.
Para o intérprete, David Menezes Jr., não houve outra música com a força de Morocha.
- Morocha foi um momento único. Em 1984 Mauro Ferreira e Roberto Ferreira me entregaram Morocha para que defendesse, eu entreguei Morocha para a Coxilha de Cruz Alta, o povo de Cruz Alta entregou Morocha para o Rio Grande e aí se foi para o Brasil e para o mundo. O momento único dos festivais, o momento único da minha carreira. Jamais uma composição alcançou voos tão altos. Jamais na história uma música provocou tanta polêmica. Queira ou não, Morocha é a grande música de todos os tempos da Coxilha Nativista, o melhor festival do Rio Grande do Sul. A Coxilha tem músicas para ficarmos um mês ouvindo. Mas igual Morocha, ah não tem – emociona-se o intérprete.
Perguntado sobre o sentimento ao ouvir as reações do público naquele ano de 1984, no momento em que defendia a música no palco, o intérprete responde.
- O normal seria não absorver tudo isso. É um momento em que tu estás defendendo uma música num festival, estás cumprindo um regulamento. A gente está nervoso, mas com Morocha foi o contrário. Houve uma interação tão grande que conseguimos sentir todas as reações do público e curtimos isso. Morocha não foi uma música que chegou no palco e foi apresentada. Morocha aconteceu – expressa David Menezes Jr.
Para o produtor Ayrton dos Anjos, que na época representava a Som Livre no Brasil, o tema da música chocou o público e mexeu com a sociedade.
- Em 1984 David Menezes Jr. passou uma emoção enorme com uma música diferenciada pelo tema que era quase uma agressão na época para a mulher. Um estado como o Rio Grande do Sul, considerado por outros centros do país como um estado de machões, pelo gauchismo. A música veio de encontro para os feministas e a mídia transmitia o evento na época para todo o Brasil. Eu fazia parte e era um dos jurados o Paixão Côrtes. Ele estava em uma situação complicada. Se votasse em Morocha por ser a Mais Popular causaria um problema e se não votasse, o público se revoltaria. Ele pediu a minha opinião e eu disse que achava uma situação difícil para os jurados mas a música entrou. Quando retornamos de ônibus para Porto Alegre, tomamos um táxi ao chegar na capital. O chofer olhou para trás, reconheceu o Paixão e disse a ele: “Seu Paixão, o senhor não sabe o que aconteceu. Ouvi no rádio ontem. Um cara que bate na mulher com os ‘pelego’ e tal. Eu vou comprar o disco. E aí seu Paixão, o que o senhor acha que vai acontecer?”. Foi aí que o Paixão colocou as mãos na cabeça e eu disse a ele: “Paixão, aconteceu. Vai ser um sucesso!”. Imediatamente mandei fazer o disco e a própria direção da Som Livre me parabenizou dizendo que havia vendido 35.000 cópias somente na primeira semana, depois esse número aumentou consideravelmente – conta o produtor.
Paixão Côrtes é o homem que serviu de modelo para o “Laçador”, a estátua símbolo do Rio Grande do Sul. Além dele, também foi presença indispensável, Antonio “Nico” Augusto Fagundes, apresentador do Galpão Crioulo, programa da RBS TV. Ele comandou no palco do festival, a apresentação de grupos como “Oigalê, com Adair de Freitas e Nelcy Vargas, “Os Campeadores”, de Edson Otto, Elton Saldanha, João de Almeida Neto, Mário Barbará, Bonitinho (integrante de Os Garotos de Ouro), e o pequeno Fábio Furian, de Cruz Alta, com sua gaita ponto para interpretar um fandango de sua autoria. Maria Luiza Benites e José Fontella foram os responsáveis pela apresentação da 4ª Coxilha Nativista.
A Comissão Julgadora, composta por integrantes de alto nível, talvez não tenha realmente agradado ao público presente, como sinalizavam as vaias de contrariedade. Ao escolher Polcas de Relação como a grande vencedora, a premiação seguiu critérios que definiram a quarta edição como a melhor da história até então. Entre os jurados estavam o maestro da OSPA, o alemão Alfred Hans Otto Hulsberg, Daniel Morales, uruguaio, arranjador, músico, compositor e pianista, participante de júris em vários festivais nativos do estado, Paixão Côrtes, conhecido folclorista e pesquisador sobre nossas tradições e costumes, tendo posteriormente sua imagem emprestada para a obra do escultor Antônio Caringi, na capital gaúcha. Jerônimo Jardim, cantor e compositor de destaque em âmbito nacional, José Lewis Bicca, compositor, músico e pesquisador e dirigente na época do grupo “Os Angueras” de São Borja, classificado em diversos festivais nativistas.
Em todas as noites da 4ª Coxilha, o público acotovelou-se nas arquibancadas do Ginásio Municipal. O bom trabalho realizado pela Polícia Militar, evitou maiores incidentes.
A 4ª edição foi de fato a mais marcante da história da Coxilha Nativista. O disco, que costumava chegar meses após o término do festival, naquele ano estava sendo vendido nas lojas sete dias após a finalíssima. Ayrton dos Anjos, o popular Patinete, produtor da Som Livre - gravadora da Rede Globo que naquele ano distribuiu os discos - teve de agir rápido para aproveitar a polêmica que fervilhava no país, batendo o recorde de vendas de discos de festivais no Rio Grande do Sul.



Premiação da 4ª Edição da Coxilha Nativista - 1984:

1° Lugar: Troféu “O Carreteiro” – Polca de Relação
2° Lugar: Troféu “Erico Verissimo” – Morocha
3° Lugar: Troféu “Bento Gonçalves” – Morada
4° Lugar: Troféu “Pepe” – Gaitita
5° Lugar: Troféu “Chimarrão” – Palavra Bem Dita

Premiação Especial

Melhor Intérprete: Davi Menezes Jr.
Melhor Conjunto Vocal: Edson Otto e Os Campeadores
Melhor Instrumentalista: Ricardo Pereira
Melhor Arranjo: Peão Ponteiro
Melhor Indumentária: Os Incompreendidos
Música Mais Popular: Morocha

Músicas Vencedoras da 4ª Coxilha Nativista
1º Lugar
Polca de Revelação – Elton Saldanha e João Almeida Neto
(Elton Saldanha)

Num fandango de campanha
Entre canha e cantoria
Na roda o povo se assanha
Para os versos de porfia

Canta um verso, cantador
Canta um verso
Canta um verso de amor

Não namoro teus cabelos
Nem o brinco das “oreia”
Namoro teu lindo “zóio”
Debaixo da “sobranceia”

No trejeito da cordeona
As “siá donas” temporonas
No compasso das choronas
Procurando um folgazão

As miradas de queixumes
Jogos desfiando perfumes
Pescada de vagalumes
Braseiros no coração

Eu te miro, tu me bombeia
Só neste chove não “móia”
Se tu não quer adoçar minha vida
O mel de “abeia”
Então por que que tu me “óia”?

Com manhas de rodilhudos
Um xirú “carca” o garrão
Corta a marca aposta tudo
E se perde nas relação

Quando eu canto
Eu me “alembro”
Da estância dos “ocalitro”
Não bebo leite de cabra
Só de nojo do cabrito

Canta um verso cantador
Canta um verso
Quem sabe encontramos um par

Canta um verso cantador
Canta um verso
Vale a pena cantar



2º Lugar
Música Mais Popular

Morocha – Davi Menezes Junior e Os Incompreendidos
(Mauro Ferreira e Roberto Ferreira)

Não vem Morocha, te floreando toda
Que eu sou manso e esparramo as garras
Nasci no inferno, me criei no mato
E só carrapato é que em mim se agarra.

Tu te aprochegas, rebolando os quarto
Trocando orelha, meu instinto rincha
E eu já me paro todo embodocado
Que nem matungo quando aperta a chincha.

Aprendi a domar amanunciando égua
E para as “mulher”, vale as mesma “regra”.
Animal, te para, sou lá do rincão!
Mulher pra mim é como redomão:
Maneador nas patas e pelego na cara...

Crinuda velha, não escolho o lado
Nos meus arreios, não há quem peliche
Tu incha o lombo, te encaroço o laço
Boto os cachorros e por mim que abiche.

Não te boleia que o cabresto é forte
O palanque é grosso, senta e te arrepende!
Sou carinhoso mas incompreendido
É pra o teu bem, vê se tu me entendes

Disco da 4ª Coxilha Nativista – 1984
(Foto do disco)

LADO A

1- Polca de Relação – Elton Saldanha e João Almeida Neto
(Elton Saldanha)
2 – Palavra Bem Dita – Mário Bárbara e Victor Hugo
(Sérgio Napp e Mário Bárbara)
3 – De Já Hoje – Adair de Freitas e Grupo Comparsa
(Adair de Freitas)
4 – Morada – Eracy Rocha
(Sérgio Napp e Fernando Cardoso)
5 – Trote – Luiz Fernando Smaniotto e Grupo Canta Piá
(Milton Magalhães)
6 – Peão Ponteiro – Ivo Fraga
(Mauro Sérgio Moraes e Sergio Rojas)

LADO B

1 – Morocha – Davi Menezes Junior e Os Incompreendidos
(Mauro Ferreira e Roberto Ferreira)
2 – Gaitita – Ivonir Machado e Os Garotos de Ouro
(Cigano e Juliano Trindade)
3 – Marca Saudade – Duo Manancial
(Antonio Augusto Ferreira e Celso Campos)
4 – Vento do Sul – Edson Otto e Os Campeadores
(Carlos Alberto Clotz e João Pereira)
5 – Repartindo – Elton Saldanha
(Elton Saldanha)
6 – Querência da Serra – Josete Siqueira
(Pedro Canisio Braun e Valdomiro Maicá)

2 comentários:

  1. Muito legal. Botei um link num post meu até esse teu blog.
    http://langwinski.blogspot.com/2010/08/lindo-texto-linda-musica.html

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  2. S-E-N-S-A-C-I-O-N-A-L este teu blog sobre as Coxilhas!!! Tenho todos os CDs/LPs! Amigo, você gostaria que eu te enviasse a imagem da capa do disco da 4a. Coxilha? Percebi que está faltando na página do teu blog. Me envia um email se quiseres: rudinei.santos@gmail.com

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