sábado, 13 de novembro de 2010

Apresentação

Os 30 Anos da Coxilha Nativista
Retrospectiva das Edições


Música, Cenário, Cultura, Arte, História, Indumentária, Nativismo.
Esta é uma série de reportagens que conta um período de 1981 a 2010. Produzido para os apreciadores de cultura, colecionadores de história e dedicados à leitura, apresento uma pesquisa desenvolvida através de documentos, imagens, textos e entrevistas. Me dediquei por aproximadamente oito meses à história de um festival que conquista 30 anos de sucesso ininterrupto. Este estudo retrata os 30 anos da Coxilha Nativista numa retrospectiva do festival que, há três décadas produz música nativista de nossa terra, lançando em discos. Desde o vinil em LP ao CD, as obras dos compositores são imortalizadas pelas vozes de consagrados intérpretes. A cada ano, artistas de todos os lugares do estado, do Brasil e da América Latina defendem as canções no palco do festival e elevam o público. Sotaques e estilos variados unem os povos e constroem ao longo dos anos um sólido amor pelas coisas do pago.
A Coxilha Nativista lançou intérpretes, compositores, arranjadores e músicos que se consagraram e hoje retornam ao berço para dar continuidade ao nativismo. Considerado o maior festival de música nativista do país, o evento maior de Cruz Alta e do Rio Grande do Sul, eleva esta cidade cercada por verdes coxilhas. Une a arquitetura histórica e antiga, através dos prédios centenários que embelezam o movimento urbano abraçado pelos matagais campeiros. No centro de Cruz Alta é situado o Ginásio Municipal, local que todos os anos reúne celebridades nativistas para a realização do evento.
A cultura não tem preço, ela é rica e indispensável. A arte é vida e alimenta a alma dos que amam e desfrutam deste universo intensamente.
Quero agradecer a todos que contribuíram de alguma forma para a concretização desse trabalho de pesquisa, seja com informações, com o uso de sua imagem para as lentes da minha máquina fotográfica, o empréstimo de documentos para a realização da pesquisa e inspiração de meu alimento intelectual. Aos amigos, pela compreensão nas horas de renúncia e ausência, pelas palavras de carinho e incentivo, pelo apoio à continuidade desse projeto hoje concretizado. Agradeço à minha mãe Maria Joana pelo carinho e apoio, ao meu amigo Saulo Cemin, pela força e perspicácia, à Maritza Maffei, pela revisão dos textos e em especial à diretora do Jornal Estilo, Jussara Moura Beck, por apostar no meu trabalho e permitir que esta ideia se realizasse. Aos colegas da empresa jornalística que em mim confiaram, pelas colaborações, esforço e companheirismo nos momentos de trabalho.
Esta pesquisa foi publicada em caderno jornalístico em 36 páginas. Ofereço esse material para todas as pessoas que amam de verdade esta terra, que apreciam a leitura, que valorizam cultura, arte, fotografia, música, história e nativismo. Almejo que esse seja um objeto de pesquisa para bibliotecas e museus, não apenas guardado nas prateleiras e armários, mas que sirva de documento como resgate histórico e cultural. E que nunca deixemos morrer a nossa história.
Boa leitura!

Rômulo Seitenfus - Jornalista e Fotógrafo






Este jornalista respondendo as perguntas de Jorge Freitas sobre a pesquisa histórica dos 30 anos da Coxilha Nativista em entrevista ao vivo para o telão da finalíssima da 30ª Coxilha








O Começo
Tudo começou com um grupo de jovens idealistas da cultura que se reuniam para desenvolver projetos artísticos. A ideia de realizar um festival de músicas em Cruz Alta surgiu em Santa Maria (RS). O idealizador do evento, no final dos anos 70 e início dos anos 80, Antonio Augusto Sampaio da Silva, mais conhecido como “Baianinho”, frequentava os festivais de música e voltou inspirado da 1ª Tertúlia Nativista de Santa Maria. Antes disso, já acompanhava a Califórnia de Uruguaiana (RS) e outras programações culturais. Assumindo a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Cruz Alta, em Janeiro de 1981, foi o criador do maior evento cultural da região. Seu pai era o então prefeito municipal naquela gestão, Humberto Ferreira da Silva, baiano de naturalidade. Naquele mesmo ano, surge a Primeira Coxilha Nativista.
O acervo musical gerado pelo festival, é intensamente estruturado no país. A cada ano, as músicas vencedoras fazem parte da gravação do disco oficial do evento, que se difunde como rica obra cultural do estado. Ultrapassa as fronteiras geográficas, sendo reconhecido por artistas e apreciadores de toda América Latina.
O termo “Coxilha” vem do espanhol (Chuchilla). Substantivo feminino, brasileirismo próprio do Rio Grande do Sul. Pela geografia, são montes de terra com elevações acentuadas. Sentimento de amor à terra natal, às coisas do pago, o termo “Nativista” provém de nativo, natural. Nasce com a cultura do indivíduo.
A história narra um período que vai de 1981 a 2010. Documentos, imagens e informações, registram a cultura do povo gaúcho, valorizando os talentos artísticos da nossa terra. O festival de música mais antigo do Rio Grande do Sul sem interrupção, traz personalidades, música nativista, moda campeira, cenários tradicionalistas. Expressa os sentimentos da alma nativa e incentiva a arte.

Ensaio Fotográfico das Prendas Que Fizeram História - Fotógrafo Rômulo Seitenfus

Bibiana Ribas
Ana Paula Inhoff
Fernanda Costantin


Prendas da 30ª Coxilha

Camila Martins Basso - Prenda da 29ª Coxilha Nativista

Gabriela da Fontoura Machado - Prenda da 21ª Coxilha Piá

Patrícia dos Santos Faria - Prenda da 10ª Coxilha Nativista e a 1ª Prenda eleita da história do festival

Gracieli Manjabosco - Prenda da 19ª Coxilha Nativista

Greice Vargas - Prenda da 24ª Coxilha Nativista

Prendas Que Fizeram História
Camila, Greice, Gabriela, Patrícia e Gracieli
Produção e Fotos: Rômulo Seitenfus

Entrevista com Alex Della Méa: Uma discussão sobre os trinta anos da Coxilha



Entrevista e Foto: Rômulo Seitenfus

Ele presenciou todas as edições da Coxilha Nativista, desde a primeira até a mais recente. Em seu segundo ano consecutivo frente à coordenação do evento, o Secretário de Cultura de Cruz Alta, Alex Della Méa, relembra a trajetória de sucesso, os momentos de crise e os altos e baixos do mais antigo festival que, aos 30 anos ininterruptos mantém-se como o maior festival da história do Rio Grande do Sul. Nesta entrevista, ele discute com o jornalista sobre as mudanças tecnológicas que o tempo apresentou, aponta as músicas mais marcantes dos festivais do estado, relembra canções e artistas que nasceram da Coxilha e reflete sobre estilos musicais como requisitos de festivais. Explica o porquê da Coxilha estar fora de projetos de Incentivo à Cultura, levanta a possibilidade de tornar o evento não-competitivo e esclarece que ainda muitas edições estão por vir. Chegada a tão esperada trigésima edição, o secretário comemora com êxito a sua organização, e se revela um conhecedor nato da história do festival.



O que o senhor lembra da primeira edição da Coxilha Nativista em 1981?
A primeira edição na verdade causou uma expectativa enorme na cidade, porque era uma novidade. O próprio termo “Nativista” era até então pouco usado. Buscou-se um termo semelhante da Tertúlia, talvez até por influência da própria que foi uma espécie de festival modelo para nós, inspirando a Coxilha nos anos 80. As pessoas que organizaram a 1ª edição, foram à Tertúlia de Santa Maria, e trouxeram um modelo para Cruz Alta que depois foi se aprimorando com a participação de muitas pessoas que ajudaram no início. Nomes importantes figuram nesta história. Rubens Dario Soares e Aparício Silva Rillo, tiveram papel fundamental nos primeiros momentos e ajudaram bastante. Pessoas daqui como o grupo Pôr do Sol, da época do Anildo Lamaison, Beto Barcellos, importantes nesse pontapé inicial. Claro que a pessoa mais importante nesse contexto foi o Baianinho (Augusto Sampaio da Silva). Com o apoio do prefeito, Dr. Humberto Ferreira da Silva, Baianinho assumiu a ideia e a prefeitura abraçou-a desde o inicio. Teve um papel fundamental, decisivo, importante porque como secretário, lapidou a ideia, foram até Santa Maria, observaram, espelharam-se na organização de um festival que envolveu uma série de coisas e deram esse pontapé. A Coxilha iniciou lá no antigo Cine Rio e o acampamento, que naquela época os festivais não eram profissionais, eram amadores. Não existia ajuda de custo, os músicos vinham pelo prazer da arte, pela busca do espaço, pela oportunidade de gravar uma música em um LP, porque naquela época para gravar um disco era algo muito difícil.

Porque naquela época só existiam as grandes gravadoras nacionais...Sim, somente as grandes gravadoras. Então não havia essa facilidade que temos hoje de gravar um disco em casa. Tu gravas um disco nos estúdios aqui de Cruz Alta com excelente qualidade. Nos anos 70, início dos anos 80, a coisa era bem difícil. Para os cantores nativistas, os festivais impulsionaram, tiveram um grande salto a partir dos festivais e a Coxilha desempenhou um papel muito importante para eles.
As coisas eram difíceis em outros aspectos também. Lembro da primeira Coxilha em 1981, que foi criado o acampamento na cidade de lona. A Coxilha não foi a pioneira nisso. Essa ideia vem de Santa Maria e de Uruguaiana, da Estância do Minuano que fez a Tertúlia baseado na Califórnia - não foram prefeituras - não é a prefeitura de Uruguaiana e também não foi a prefeitura de Santa Maria e a Coxilha adotou esse modelo de festival, porém organizado pelo poder público municipal.

Que foi um modelo que vigorou até um bom tempo...
Sim, até o período que os festivais começaram a se profissionalizar quando os músicos começaram a gravar seus discos e construir carreiras solo. Então os festivais começaram a oferecer ajuda de custo para os músicos, que não foram mais para acampamentos e passaram a acomodar-se em hotéis. Passaram a ter um cuidado maior com a sua carreira, de uma forma mais profissional. Vários passaram a viver exclusivamente da música.

Em que ano aproximadamente ocorreu essa transformação?
Isso começou com muita intensidade no final dos anos 80. Acredito que até a sexta, 7ª Coxilha, ainda não se pagava ajuda de custo. Os músicos acampavam, porque era a forma mais acessível de ficar na cidade e depois isso começou a tomar outro perfil.
Tanto em Cruz Alta quanto em Uuguaiana, Santa Maria e nos demais festivais.
Hoje, com a profissionalização dos músicos e dos festivais a realidade é outra, bem diferente.


Como foi a transição do local Cine Rio para o Ginásio Municipal?
Essa transição se impôs porque o Cine Rio, que era o maior cinema da cidade, se tornou pequeno para a grandiosidade do evento. Para acomodar um número maior de pessoas buscou-se outra alternativa.
O Ginásio Municipal foi a solução encontrada para acolher o grande público da Coxilha Nativista. Antes da Coxilha, quando aconteciam shows no Ginásio Municipal, os cantores cantavam na quadra mesmo. Eu lembro de ter assistido espetáculos e shows antes da Coxilha Nativista do Ginásio, com as pessoas cantando na quadra. A partir da segunda Coxilha Nativista, e que começou a montar palco no Ginásio, a cada ano montava-se e desmontava-se o palco.
Até a quinta coxilha, foi construído um palco definitivo e se construiu um palco com uma estrutura de concreto que ficou definitivo até hoje como palco fixo.
A Coxilha já está no Ginásio há 29 edições, desde a segunda, e a primeira foi lá no Cine Rio. Tínhamos três cinemas na cidade. O Cine Rex, onde hoje é o calçadão, o Cine Ideal, onde hoje é uma galeria de lojas e Cine Rio, na saída para Ijuí. O Cine Rio era o maior de todos, era grande e possuía espaço para uma platéia bem extensa, e o tamanho apresentava a possibilidade de construção do palco no Cine Rio.

A tecnologia de áudio e os efeitos visuais ainda não haviam alcançado o patamar que se tem hoje, mas é interessante pensarmos que mesmo com essas limitações do início do festival, sempre apresentou qualidade. Quais os maiores desafios enfrentados na linha tecnológica?
No começo de fato não tínhamos tantos recursos técnicos, os instrumentos, por exemplo, não era plugados. Eram todos acústicos mesmo, o artista colocava o microfone na boca do violão, era captação externa mesmo, as gaitas também tinham capacitação externa. Os instrumentos que se usavam eram mais restritos e depois começou a se ter maiores recursos tecnológicos. A Califórnia começou a fazer essa abertura maior para uso de instrumentos mais contemporâneos. Na época não se admitiam determinados instrumentos. Posteriormente, para o bem da música e para a qualidade musical, foi sendo aceita a sonoridade mais evoluída.


Então as pessoas preferiam manter a precariedade tecnológica por resistências culturais?
Porque na música o que importa é a sonoridade que você vai tirar dela, e nós aqui não tínhamos o porquê contemplar os festivais fazendo o uso apenas de um ou dois instrumentos. Na verdade de gaúcho mesmo nós só temos um instrumento musical que é o sopapo, de percussão construído pelos negros lá da região litorânea.
Então não teria o porquê barrar o uso de um piano, violino, violoncelo, ou de um instrumento qualquer. E os festivais foram abrindo esse espaço também para grandes nomes manifestarem e aparecerem no cenário musical do Rio Grande do Sul. Ali no palco da primeira Coxilha, surgiu Jorge Almeida Neto, Renato Borguetti, Elton Saldanha. Alguns já haviam passado em outros festivais, na tertúlia de Santa Maria, na Califórnia de Uruguaiana, mas muitos estavam iniciando a carreira ali e chutavam seu pontapé inicial. A Coxilha Nativista foi muito importante nesse sentido, uma alavanca para o crescimento, para bons nomes da cultura do Rio Grande do Sul.

Em qual edição da Coxilha aproximadamente a tecnologia começou a avançar?
A cada ano ela sofreu modificações. Me lembro no Cine Rio, a sonorização da primeira edição era precária em relação à que temos hoje, e depois quando ela veio para o Ginásio na segunda edição começou a ter uma sofisticação maior. Na terceira edição os violões ainda eram microfonados, com capitação externa de som, eu acho que a partir da quarta ou quinta Coxilha começou a se utilizar os violões com captação interna. Os teclados enfim, começaram a ser usados e outros instrumentos também. Mas não consigo centralizar exatamente foi a edição. Um processo que foi acontecendo aos poucos e os festivais estão até hoje produzindo arte e lançando músicos de renome.

Na questão das mudanças tecnológicas, com a troca do LP pelo CD, as rádios tiveram uma certa dificuldade em mostrar novamente as músicas antigas da Coxilha...
Sim, antigamente as gravações eram feitas em rolo e demorava até quatro meses para chegar o disco. A exceção foi a 4ª Coxilha que saiu uma semana depois do festival. Foi uma coisa muito rápida com aquela polêmica da Morocha e o Patinete, produtor da Som Livre, um cara muito dinâmico. Ele dizia: “Não podemos perder essa oportunidade! Não podemos perder essa”. E não deu sete dias e o disco já estava pronto. Foi prensado no Rio de Janeiro pela Som Livre, vendeu quase sete mil cópias, uma coisa fantástica! Quando se refere hoje a hits, a gente ouve as pessoas comemorando: Fulano vendeu um milhão de cópias! É outra realidade e o caso de um evento cultural de festival com músicas variadas na época, uma coletânea vender cinquenta mil cópias, era uma coisa inimaginável ainda é até hoje. Então vender cem mil cópias é disco de ouro. Realmente aquele disco foi uma exceção. Agora essa mudança que tu dizes, para os festivais foi muito benéfica, barateou muito o custo nesse sentindo e o avanço das tecnologias para os festivais foi muito bom.

Mas ao mesmo tempo houve uma queda dos festivais...
Não, essa queda se deu muito por desinteresse de público. Muitos festivais caíram por interesses políticos, porque assim: O prefeito fazia um festival e então entrava um outro prefeito e não continuava as edições daquele festival ou fazia com outro título, então era muito descabido. Nós chegamos a ver cidades com três, quatro festivais de títulos diferentes mas que realizou uma ou duas edições e não realizou mais.
Felizmente a Coxilha foi uma exceção e isso garantiu sua permanência.
Então na verdade teve isso também, teve a questão da profissionalização geral dos festivais que se tornaram caros. Um evento como a Coxilha Nativista hoje, de oito dias de festival, é muito caro. Você tem de investir muito em cultura para fazer isso. Temos de manter a ajuda de custos dos artistas, investir em uma sonorização de qualidade, uma iluminação de qualidade, uma gravação de CD e DVD de qualidade, então quer dizer que temos de investir na qualidade total do evento, além é claro, do custo do cachê dos shows. Os shows hoje não são coisas baratas, até porque os artistas todos se profissionalizaram. Hoje a grande maioria vive exclusivamente da música. No início dos festivais os artistas tinham outras profissões e a música era um hobbie, era algo paralelo em sua vida. Hoje não, a grande maioria, 95% dos músicos vive exclusivamente da sua arte, do seu talento.

Se uníssemos os discos mais importantes da Coxilha com os também importantes de outros festivais, teríamos uma enorme relíquia cultural nativista. Se isso fosse possível, quais os festivais e discos o senhor gostaria de citar nesse exato momento?

Se fizermos um levantamento das 100 músicas que fizeram sucesso no estado do Rio Grande do Sul de 1981 para cá, no mínimo vinte delas são da Coxilha Nativista. E veja. Quantos festivais nós tivemos nesse período? Mais de setenta festivais. Temos discos que são de fato verdadeiras relíquias. Os discos da 4ª e 5ª Coxilha, juntamente com o da 10ª e 11ª Califórnia e também do 1º Musicanto, são verdadeiros achados da fonografia regional brasileira. Se juntássemos esses cinco LP’S da época, teríamos um álbum maravilhoso porque ali temos Recuerdos da 28, e Veterano, da 10ª Califórnia e mais um manancial fantástico da 11ª Califórnia: Desgarrados, Sabe Moço, Semeadura. Do 1º Musicanto, No Sangue da Terra Nada Guarani, Uma Canção Pra Minha Prenda, Vozes Rurais. Juntando esses LP’S e pegando, por exemplo, da 4ª Coxilha, temos cinco músicas nessas mostras de quarenta e por pouco não temos mais.
Temos Deja Hoje, Morocha, Morada, Palavra Bendita, e Gaitita, além de tantas outras da 4ª Coxilha. Na 5ª Coxilha temos Vento Norte, Segredos do Meu Gambicho, que são músicas que fizeram sucesso e fazem parte da história cultural do Rio Grande do Sul. Veja bem. Eu te citei cinco discos de festivais que saíram verdadeiros hinos da música do Rio Grande do Sul. Essa é a importância desses festivais e por isso que os bons não morrem, porque tem esse caráter e esse respeito da classe artística.

Quais os estilos que caracterizam a Coxilha e a diferenciam de outros festivais?
Aí tu vais analisar que um festival pode ser campeiro. Mas com que sotaque campeiro?
O campeiro da fronteira? O campeiro missioneiro? O campeiro serrano? Existem várias formas de um festival ser campeiro. A Coxilha eu te diria que é bem eclética, por exemplo, se tu pegares o Martin Fierro, de Livramento, é um festival extremamente fechado que toca músicas de fronteira com sotaque bem carregado fronteiriço, essa pegada da milonga. Se tu não entrares nesse estilo, estarás fora do festival. O Musicanto, por outro lado, é um festival extremamente aberto. A Moenda, por exemplo, de Santo Antônio da Patrulha é contemporânea, de música popular, mas que aceita a música nativista também e são festivais completamente abertos. A Coxilha está em meio a esses extremos, sua marca fundamental é o ecletismo. Porque a nossa formação cultural é eclética. Somos uma mescla de todos esses sotaques, do castelhano ao biriva, paulista, sorocabano, do missioneiro ao imigrante, gringo ao alemão. Não temos uma marca única, fundadora ou predominante e isso se reflete na Coxilha. Talvez por isso ela esteja tão forte e há tanto tempo, porque contempla a todos. Faz parte da nossa história, da nossa cultura, como fomos formados.

E qual a explicação cultural para essas diferenças?

Porque Cruz Alta não é uma cidade de fronteira, não tem aquele sotaque de fronteiriço. Não tem tradição das estâncias na sua história e considero um equívoco, por exemplo, desejar que o nosso festival se vincule a cantar a história da estância porque Cruz Alta não é terra de estancieiros. Cruz Alta tem outra formação e não se formou nas estâncias. Quem introduziu as estâncias do Rio Grande do Sul foram os padres jesuítas, mas as estâncias dos povoados missioneiros se espalharam pelo território. Ficou mais marcado na região da fronteira e campanha, no pampa gaúcho propriamente dito. Cruz Alta aceita essa música com sotaque da fronteira, aceita a música com esse sotaque missioneiro, aceita a música serrana e a urbana também. São exemplos assim que eu uso para dizer na música da fronteira que temos vários ícones, por exemplo: Adair de Freitas, que para mim é a maior expressão da música da fronteira na região de Santana do Livramento, assim como o Nelson Cardoso, também da mesma região da fronteira do lado de Uruguaiana. Tem César Passarinho, João de Almeida Neto, que é outro perfil de estilo fronteirista. Dentro da própria fronteira existem estilos distintos. Na música missioneira, por exemplo, não participavam de festivais concorrendo Noel Guarany, Cenair Maicá, Pedro Ortaça... Mas tem uma música - com essa característica que participou dos festivais - do Valdomiro Maicá, irmão do Cenair Maicá. Ele cantou várias vezes nos festivais e Cruz Alta aceita, até porque é uma cidade bem próxima da região missioneira. Tem esse sotaque missioneiro, como aceita o sotaque serrano também, que é essa música mais de baile.

O público da Coxilha também aceita bem a música urbana...
Sim, tanto que nós temos, por exemplo, Procissão, uma música lindíssima que venceu a 12ª Coxilha, música bem urbana e é uma música maravilhosa. A Coxilha aceita o que é bonito. Temos também na mesma edição Entrando no Bororé, uma música extremamente campeira, com sotaque missioneiro, estilo e pegada missioneira. O Rio Grande é múltiplo, ele não é uma coisa única. É um equivoco alguém querer dizer que só é gaúcho quem canta tal e tal música. O Rio Grande tem um matiz musical diverso e que representa no palco da Coxilha Nativista.


Quais as músicas que o senhor citaria de toda a história nessas três décadas de Coxilha Nativista?
Na primeira Coxilha temos Léguas de Solidão, uma música vencedora com um sotaque de campo, do Luiz Carlos Borges. A Morocha, por toda a sua popularidade. Uma música bem marcante que também temos é Bailanta do Tio Flor, vaneira maravilhosa com sotaque de campo do Elton Saldanha. Vencendo a segunda Coxilha, Terra Saudade, que não podemos dizer que é uma música campeira, mas um hino popular de Cruz Alta e que faz uma referência histórica.


O senhor citou a Morocha, que foi a música mais polêmica da história dos festivais. Ela é uma sátira ao machismo exagerado e inclusive teve discussões em mídias nacionais naquele ano de 1984...
Teve, o disco da 4ª Coxilha que foi produzido pelo Airton dos Anjos, que é o popular Patinete, ele é de Porto Alegre, esteve conosco agora fazendo as seleções das músicas que vão fazer parte da mostra histórica da Coxilha. É um produtor musical consagrado no Brasil, Produziu o disco na época pela Som Livre, a gravadora da Rede Globo. Quem diria. Esse disco então foi o que até hoje na Coxilha, teve o recorde de vendas de discos de festivais no Rio Grande do Sul, em função da polêmica da Morocha, que se estendeu Brasil afora. Com certeza ali a Coxilha adquiriu a maior idade, ali a Coxilha ficou conhecida no Brasil inteiro e ali a Coxilha passou a ser uma referência para os festivais do Rio Grande do Sul.

A Coxilha teve um ápice em sua história. Até quando ela manteve-se em alta?
Os festivais estavam brotando muito em várias cidades e esse ápice veio até a virada dos anos 90 e, por incrível que pareça, ele culminou o advento das gravações solo dos cantores. Antigamente quando uma pessoa queria escutar o Leopoldo Rassier, tinha de comprar um disco da Califórnia, da Coxilha, da Tertúlia, para escutar o Leopoldo, e também outros cantores como o César Passarinho, o João de Almeida Neto - quando gravaram os seus discos solo, os festivais começaram a perder espaço. Veja bem. Os festivais que os projetaram passaram a perder o espaço para os seus próprios filhos.
Porque o público começou a dar mais ênfase aos discos solo do que aos discos dos festivais.

E os discos dos festivais passaram a vender menos...

Tanto que hoje os discos de festivais, são raríssimas exceções - como será nossa Coxilha nesse ano - eles não fazem mais parte do circuito comercial. A Coxilha está voltando a fazer parte neste ano, após quase vinte anos fora desse circuito. Agora vamos fazer um contrato com a gravadora que vai nos permitir isso, a voltar ao circuito comercial, voltar a estar nas lojas, nos mercados que vendem discos. Mas o público voltou aos festivais, os grandes intérpretes também. Estamos praticamente com a mesma representatividade dos anos 90.



A Coxilha não possui hoje nenhuma ajuda de um projeto de incentivo à cultura?

Não, nós tentamos a Lei Rouanet. Conseguimos mas fora de tempo hábil para a captação dos recursos, que é o mais dificil. Lastimamos muito isso. Como é a Prefeitura Municipal, o proponente e entramos em um período eleitoral, isso nos dificultou. Não temos nenhum apoio nesse ano, nem da Lei de Incentivo à Cultura. Temos alguns apoios culturais direto de empresas, mas em termos de auxilio direto, como o material de divulgação, a exemplo da empresa jornalística Correio do Povo, que nos auxilia na mídia para o evento, a Ouro e Prata, que nos concede transporte, e a Universidade de Cruz Alta - Unicruz, que nos fornece o material de divulgação de sua gráfica. Então nesse ano temos apenas o apoio direto de algumas empresas.

A questão da possibilidade de o festival competitivo vir a se tornar apenas uma mostra não-competitiva futuramente. Isso existe mesmo?
Isso é o que nós vamos discutir e pensar ao longo da trigésima edição. Vamos ver como é que vai ser, como é que vai se dar essa questão da mostra. Vamos analisar como o público vai aceitar a ideia porque, isso é uma grande incógnita e também teremos de ver com os participantes.

Mas então a Coxilha corre o risco de estar perto de acabar?
Não, de forma nenhuma. O que pode acabar é a competição, talvez adotarmos o modelo latino-americano das mostras não competitivas. Nosso evento passou por um período mais crítico, hoje vive uma revitalização que com certeza vai garantir sua permanência ainda por muitos anos.
Eu já participei de Coxilhas Nativistas, com menos de duzentos pessoas no ginásio.
Logo quando comecei, que participei como compositor, já tivemos a Coxilha Nativista com mais de quatro mil pessoas no ginásio. Na terceira, quarta e quinta edição, o ginásio esteve lotado, mas tivemos edições também ali por volta da vigésima, em noites de sexta-feira com menos de duzentas pessoas nas arquibancadas do ginásio. Então queremos impulsionar para que a Coxilha seja cada vez melhor, cada vez maior. Esse é o nosso intuito. Essa hipótese, essa ideia da mostra, é uma coisa que pode vir a acontecer ou não, vai depender da resposta do público e também daqueles que atuam diretamente na Coxilha.

E, ao mesmo tempo, considerando toda a história, está se mantendo há trinta edições, o que já é uma vitória para o festival...
Sem duvida temos um festival à duras penas há trinta edições acontecendo. É uma vitória significativa, sem dúvida nenhuma.


A que o senhor atribui essa durabilidade toda, essa resistência ao tempo?

Eu acho que há vários aspectos, mas dois bem importantes. Um é a persistência dos que se mantiveram fazendo, coordenando, assumindo essa responsabilidade e outra fundamentalmente do povo, o público na medida em que levamos a Coxilha de volta ao encontro com a plateia, seja na parte musical ou da organização, assim tivemos respostas positivas do público e isso faz com que a Coxilha seja o que ela é até hoje, há quase três décadas uma história de vencedores.

Pérolas da Coxilha

Na tentativa de trazer aos meus leitores a fidelidade ao escrever a história do festival, ouvi personagens, fui a lugares inimagináveis, conversei com participantes e vencedores, organizadores e produtores. Leia algumas pérolas que marcaram momentos.




Os Meus Entrevistados

“Me recordo que em certa ocasião após minha apresentação com a música “Cascata de Piá”, na saída do palco fui cumprimentado por um homem que disse gostar muito de meu trabalho, me rasgou de elogios e conversamos muitas coisas e ao término de meia hora de conversa me chamou de Elton Saldanha! (Risos). Relembro também que o mais esperado para mim e os músicos em geral era ver o palco que seria apresentado, os cenários que eram criados para a Coxilha, pois eram os melhores criados na época, momentos que o marcaram as primeiras edições da Coxilha.”
Eraci Rocha

“Em 1999, quando eu estreava nos palcos do nativismo, meu primeiro festival, e que logo após sairmos do ginásio nos reunimos no Bar do Miguel e lá pelas tantas um gaúcho vem e pede para eu tirar um foto dele com algumas gurias. Eu brinquei que não tiraria foto de macho. O que eu não sabia é que o gaúcho na minha frente era o Luiz Marenco, que logo se tornaria um grande amigo meu. O engano ocorreu e na ocasião eu não sabia quem era o gaúcho e hoje, tenho o prazer de ter gravado junto com Marenco.”
Pirisca

"Um fato que marcou na Coxilha pra mim, foi em 1984. Eu estava como espectador na plateia e subiu ao palco David Menezes Jr. Ele foi apresentar “Morocha”. Enquanto ele cantava a música mais polêmica da história, do meio da arquibancada vi uma senhora sair da mesa onde ela estava e foi para frente do palco. Ela apontava para David Menezes, que continuava a cantar e fazia gestos com o olhar para a senhora! (Risos). Isso me marcou muito, pois acabei sendo noticiado depois que isso teve uma grande repercussão nacional. Lembro também do início da minha trajetória nos palcos da Coxilha. Comecei pelas primeiras edições da Coxilha Piá, dando início à carreira artística."
Felipe Mello

“O que considero marcante é ter podido estar presente em quase todas as edições da Coxilha desde sua primeira edição, principalmente pelas conquistas que me trazem boas recordações. Também considero importante a ininterruptalidade do festival, que é bem difícil de alcançar.”
Vinícius Brum

“O que melhor me marcou na história das Coxilhas foi interpretar “Morocha” em 1984. Foi um momento único. Eu entreguei Morocha para Cruz Alta, que por sua vez deu ela ao Rio Grande, que a entregou ao Brasil e ao mundo. Jamais uma composição ganhou vôos tão altos como ela alcançou e causou tanta polêmica como ela criou, realmente é um momento único. Hoje podemos resgatar com muita emoção e carinho, pois queiram ou não queiram, Morocha é a grande música de todos os tempos da Coxilha Nativista de Cruz Alta. A Coxilha é o melhor festival do Rio Grande do Sul e tem músicas para se ouvir um mês inteiro. Mas como Morocha não tem igual. Em uma competição, o normal é não absorver as emoções de fora do palco. Mas com Morocha foi diferente. Houve uma interação tão grande com a plateia, que Morocha não foi apresentada ao público. Ela aconteceu e ficou na história.”
David Menezes Jr.


“Participar de um festival sério como a Coxilha que procura mostrar o que existe de positivo na música, na parte literária e também na parte musical, retornar à Coxilha depois de muitos anos, já com os meus 77 anos e ver os jovens, que são os continuadores da nossa cultura, do nosso empenho em manter os costumes do nosso Rio Grande, pelo Brasil, só me faz agradecer ao Patrão Maior. A busca pela parte literária da Coxilha continua muito boa. Todas as pessoas envolvidas na realização da Coxilha Nativista estão realmente de parabéns.”
Telmo de Lima Freitas

“Sem dúvida nenhuma o momento mais marcante foi na 4ª Coxilha realizada em 1984. Me lembro da emoção passada por David, com uma música totalmente diferente das outras, pelo seu tema (que era quase uma agressão as mulheres), num estado como o Rio Grande do Sul considerado pelos demais como machista. Transmitia por várias rádios do estado. Quando na mesma madrugada da apresentação de “Morocha”, todos os músicos retornaram para Porto Alegre e fomo de ônibus com eles. Eu e o Paixão Côrtes, morávamos na mesma região da capital e embarcamos no mesmo táxi. Por curiosidade me lembro que o taxista virou-se para trás e disse:
- Seu Paixão, o senhor não sabe o que aconteceu. Escutei no rádio ontem, um cara que bate na mulher com os pelegos. Eu vou comprar esse disco. Falei pra minha mulher e ela não acreditou. Seu Paixão, o que o senhor acha que vai acontecer?
Paixão levou as mãos na cabeça, me olhou e eu disse:
- Paixão, aconteceu. Vai ser um sucesso!
E foi o que aconteceu. Hoje foi emocionante ver o David interpretando novamente “Morocha” no palco da Coxilha. Foi até mais emocionante que da primeira vez.” (Falando sobre a apresentação de David Menezes Jr. na 30ª edição)
Ayrton dos Anjos, o Patinete, que em 1984 produziu o disco da Coxilha que lançou Morocha. Patinete trabalhava para a Som Livre.

Eles Fizeram Coxilhas


O atual Secretário da Cultura Alex Della Mea, coordenador das comemorações da 30ª edição da Coxilha Nativista, o ex-prefeito Luiz Pedro Bonetti, o ex-prefeito Fulvio Berwanger, que foi o responsável pelas comemorações da 10ª edição, a ex-Secretária de Cultura, Desporto e Turismo Marlene Bortoli Soares, que organizou as comemorações da 20ª edição na gestão de Bonetti.



Texto e Foto: Rômulo Seitenfus

Prefeitos e secretários reúnem-se nesta reportagem para relembrar os tempos de organização. Fulvio Berwanger, Marlene Bortoli Soares, Alex Della Méa e Luiz Pedro Bonetti, divertem-se ao memorar as pérolas e acontecimentos marcantes frente aos cargos que exerceram. O Secretário da Cultura, Alex fala dos desafios de organizar o festival nos dias de hoje. Marlene relembra com carinho o prazer de ter dirigido o maior evento cultural de Cruz Alta e conta cenas engraçadas. Fulvio cita grandes nomes do cenário cultural. Bonetti relata fatos, como a entrevista a um repórter curioso que perguntava sobre a origem do nome COXILHA.

Era uma noite chuvosa quando conversei com prefeitos e secretários que organizaram Coxilhas. A convite do Jornal Estilo, eles compareceram ao salão de festas do jornal, localizado no Rancho RB da Vila Ferroviária de Cruz Alta. O motivo, reunir histórias inusitadas. O barulho da chuva parecia acariciar o telhado. O ambiente era perfeito para a noite que traria cenas de 29 edições do festival nativista.
Fulvio Berwanger, além de fazer parte da Comissão Social, esteve à frente da organização como prefeito Municipal. Foi na comemoração dos dez anos do evento que Berwanger dirigia o seu mandato. Emocionado, expressa a alegria de ver o festival chegar à sua 30ª edição sem interrupções. Fulvio, que é proprietário de uma empresa gráfica que imprime materiais de divulgação, conta que também teve sua participação como empresário.
- Relembrar o passado vivido na edição de número 30 da Coxilha Nativista é algo que vem a emocionar, pois ter participado da história do evento como coordenador e desempenhar um trabalho precursor como empresário gráfico na elaboração e edição da Revista da Coxilha durante sete edições, é sinônimo de satisfação e orgulho – expressa.
Ressalta que teve uma grande colaboração de vários intérpretes de renome no cenário nativista que contribuíram com matérias e opiniões para o desfecho da revista como Paixão Cortês, Odília Camargo e Aparício Silva Rillo. Também enfatiza que nas primeiras edições da Coxilha Nativista acontecia as Tertúlias realizadas nas baias do Sindicato Rural.
- Eram cobertas com folhas de coqueiro. Em dias chuvosos era uma barra! – conta.
Fulvio relata os investimentos que realizou no Parque de Exposições.
- Em grande importância para a firmação do evento no município, a 8ª edição veio a marcar com a contribuição da construção do maior pavilhão do Parque de Exposições, que por todos esses anos foi possível manter as atividades lá fora – relembra.
Marlene Bortoli Soares, que foi Secretária de Cultura, Desporto e Turismo na gestão do prefeito Luiz Pedro Bonetti, organizou as comemorações dos 20 anos do festival. Relembra que quando esteve à frente dos trabalhos de coordenação da Coxilha, não tinha um grande conhecimento sobre o nativismo e tradicionalismo e que esta oportunidade lhe trouxe um bom aprendizado do cenário tradicionalista. Uma das mais marcantes e atuantes secretárias da história do festival, Marlene acredita que os maiores shows da Coxilha são as canções apresentadas no palco através dos artistas, e que a emoção de ver intérpretes e compositores do estado que contam a história da nossa terra, vem a ser mais relevantes ainda. A Secretária conta uma passagem divertida, digna de ser relatada nessa reportagem.
- Certa ocasião foi realizada uma parceria com a empresa de cerveja Kaiser, que patrocinou o festival. Para que ela fosse a fornecedora exclusiva de bebidas durante o evento, era preciso comercializar somente cervejas da marca. Só que havia uma dificuldade muito grande, pois na época ela era conhecida somente pelo seu garoto propaganda, o famoso “Baixinho da Kaiser”, que inclusive foi presença no festival. A bebida não tinha uma grande comercialização na cidade, mas para surpresa até mesmo do patrocinador, o frio que sempre foi característica forte do festival por se realizar sempre no inverno, naquele ano sumiu! O clima mudou e um calor tomou conta dos dias. O consumo de cerveja gelada foi grande e o estoque de bebidas esgotou-se antes do término do evento que, a empresa teve de solicitar aos mercados da cidade para abrirem no domingo - fato que não ocorria naquela época - para que fosse reposto o estoque de bebidas da Coxilha (produtos apenas daquele patrocinador). Acredito que a partir desse momento o pessoal da cidade se familiarizou mais com a marca da bebida – diverte-se Marlene.
O ex-prefeito Luiz Pedro Bonetti comenta que a Coxilha Nativista já estava na sua 2ª década quando ele esteve frente da gestão municipal e que o evento já havia se consolidado como um marco no cenário cultural do município. Ele traz a importância da Coxilha para a cidade e a compara ao saudoso Erico Verissimo, importante figura da história cultural.
Com brilho nos olhos e um sorriso no rosto, Bonetti relembra a história de entrevista a um repórter curioso.
- Um acontecimento ocorreu na 19ª edição. Um repórter de uma rádio da região de Bagé em uma entrevista que concedi a ele, quis saber o porquê do nome “Coxilha”. Na pergunta levantou a questão de que o nome não teria relação com música. Então respondi ao repórter que a Coxilha tem a ver com a lida de campo, pecuária, agricultura, produção, que o chão, a terra e o solo significam Coxilha e que o chão fecundo de Cruz Alta representa o nativismo. Essa foi a resposta para aquela ocasião. O nome Coxilha Nativista que parece não ter nada a ver com o evento aparentemente, é um festival de canção com um nome profundamente ligado à terra, respondi ao repórter – conta Bonetti.
O mais jovem de todos, o atual Secretário Alex Della Méa, participou como espectador de todas as edições do festival. Aos 13 anos foi assistir pela primeira vez no Cine Rio em 1981. Desde lá nunca mais deixou de ir aos festivais, mas não imaginava naquele ano, que estaria organizando as comemorações da 30ª edição. Relembra de ter visto grandes cantores e compositores gaúchos se consagrarem e muitos que surgiram na Coxilha Nativista, alguns na Coxilha Piá, como Renato Borghetti, Neto Fagundes, João de Almeida Neto, Miguel Marques, entre outros.
Alex cita a Coxilha como um dos principais eventos nativistas do estado. Para o atual Secretário de Cultura de Cruz Alta, foi importante o fato de nenhum dos organizadores terem deixado morrer o festival. Houveram diferenças políticas e partidárias e nem mesmo isso foi motivo de interrupção, a contrário de outros festivais nativistas. Salienta que esta 30ª edição está sendo marcada por um encontro de gerações.
- Nesta edição temos músicos que estiveram há muitos anos na sua primeira Coxilha, além de jovens talentos que buscam ingressar no cenário musical, como uma criança de apenas cinco anos de idade, que nesse ano sobe ao palco da Coxilha Piá – fala o atual secretário.

30ª Coxilha



Texto e Foto: Rômulo Seitenfus

Pirisca Grecco lançou a flecha perfeita ao corpo de jurados e à plateia do Ginásio Municipal. O intérprete cantou com sensibilidade e convenceu o júri, composto por Arthur Bonilla, Tadeu Martins, Sandro Cartier, Luís Cardoso e Jean Kirchoff. Os apresentadores Zeca Amaral e Analise Severo foram incansáveis nas oito noites do festival. Nos anos anteriores as edições iniciavam na quinta-feira com término previsto para o domingo. No ano de 2010, tudo foi inovado. O protocolo durou oito dias e o público pôde conhecer ou assistir novamente a apresentações das músicas que fizeram história da Coxilha nesses 30 anos. Após oito noites de cultura musical nativista, no sábado, 31 de julho, foi encerrada a 30ª edição do maior festival de música nativista do estado. O mais antigo sem interrupções presenteou o público com a reapresentação das melhores músicas, trazendo novamente ao palco do Ginásio Municipal - intitulado Palco Jaime Caetano Braum – intérpretes e representantes das músicas que fizeram história desde 1981. Foram quatro noites de Mostra Histórica não-competitiva e quatro noites de competição com as músicas da 30ª edição. No quinto dia, quarta-feira, 28, a voz forte de Fabiana Lamaison conquistou o 1º lugar da fase local. O 2º lugar ficou para a música Sem Tempo, com a interpretação de Emerson Martins. Encontro de Gerações, com Adair de Freitas, conquistou o 3º lugar, além de levar o troféu de Música Mais Popular, eleita pela imprensa.
Na sexta noite de festival, 29 de julho, quinta-feira, ocorreu a 26ª Coxilha Piá. Na categoria Piá Taludo, o 1º lugar ficou para Lucas do Couto Sobreira com Canto ao Pastoreio. Vitória Alessandra dos Passos conquistou o 2º lugar com No Calor do Inverno. Deise Veiga alcançou o 3º lugar com No Livro do Próprio Tempo. Na Categoria Piá, o 1º lugar ficou para Eduarda Rosa, com À Sombra de Um Cinamomo. Nicole Carrion ficou com o segundo lugar com Reinfância. O Jeito é Cantar conquistou o 3º lugar na interpretação de Isabelle Jung Mottini. Larissa Campos Brito levou o prêmio de Melhor Indumentária e Germano Fogaça foi premiado o Melhor Intérprete. O Destaque Especial ficou para Marcela Nascimento Monteiro.
Na noite de 30 de julho, sexta-feira, foram apresentadas as músicas da fase geral. A coordenação do evento decidiu que não haveriam selecionadas naquela noite, sendo que seriam definidas na fase seguinte. Por ser a 30ª edição, todas as músicas apresentadas na fase geral já estavam garantidas no disco e classificadas para a finalíssima.
A última noite, sábado, foi a mais esperada de todas. O ginásio lotou, não havendo mais espaço nas arquibancadas, nem nas mesas. A comissão organizadora decidiu fechar as portas do ginásio municipal, para evitar desconforto e garantir a segurança da plateia.
Doze músicas da fase geral e três composições da fase local disputaram o título da edição número 30. A qualidade das músicas foi considerada de bom nível. O intérprete Pirisca Grecco usou da sensibilidade para vencer a finalíssima e acertou o alvo do público e dos jurados com uma flechada certeira. A música O Arco e a Flecha é a grande vencedora da 30ª Coxilha Nativista. A composição campeã tem letra de Carlos Omar Villela Gomes e música de Piero Ereno.
Para show de encerramento, César Oliveira e Rogério Melo ergueram o público na última noite do festival.
As premiações da 30ª Coxilha Nativista:
1º lugar: O Arco e a Flecha - Pirisca Grecco
2º lugar: Sem Tempo - Emerson Martins
3º lugar: Encontro de Gerações - Adair de Freitas
Música Mais Popular (eleita pela imprensa): Encontro de Gerações - Adair de Freitas
Melhor instrumentista: Texar Cabral
Melhor intérprete: Emerson Martins
Melhor indumentária: Adair de Freitas
Melhor conjunto vocal: Arco e Flecha
Melhor melodia: Sem Tempo
Melhor arranjo: Sonho Matreiro
Melhor letra: O Arco e Flecha
1º lugar fase local: Há Um Jeito de Ser do Sul - Fabiana Lamaison
2º lugar fase local: Menino da Rua - Tuny Brum
3º lugar fase local: Pra Repontar a Esperança – Vinícius Franco
Letra Vencedora:

O Arco e a Flecha

Poesia é flecha, a alma é um arco
Futuro é um alvo que a alma tem
Estamos todos no mesmo barco
Se ele naufraga vamos também

Poesia é flecha que se projeta
Pelas nações que de fome choram
A alma é um arco nas mãos do poeta
Caçando as feras que nos devoram
A flecha corta os confins do mundo
Sangrando as chagas que a fome fez
Povos inteiros já moribundos
Matando um sonho de cada vez

O arco fica mas manda a flecha
E mostra o rumo sem hesitar
A flecha é força que tudo pecha
Quanto é justiça cortando o ar

São arco e flecha sempre em vigília
Que essa miséria tem rosto e nome
Nos calcanhares dessas matilhas
Que se sustentam de sangue e fome

29ª Coxilha




Pesquisa e Reportagem: Rômulo Seitenfus
Foto: Assessoria de Imprensa/ Prefeitura Municipal de Cruz Alta

Uma forte epidemia da Gripe Influenza H1N1, que comprometeu o estado do Rio Grande do Sul no inverno de 2009, resultou no cancelamento dos eventos que reunissem aglomeração de pessoas. A Coxilha Nativista, que sempre iniciava sua programação no mês de julho de cada ano, pela primeira vez em sua história, no ano de 2009, ocorreu fora de época. Outubro já havia perdido as baixas temperaturas do inverno gaúcho e o frio não era mais característica naquele período. O charme do inverno havia passado e a Coxilha Nativista perdia a sua identidade visual. As pessoas não vestiram seus palas e, diferente dos anos anteriores, os cobertores e acessórios para o frio não faziam parte da plateia. O público estava diminuído em quantidade, foi o ano de menor prestígio da história do festival. Mas a epidemia não foi motivo de cancelamento para o maior evento da cidade de Cruz Alta. O prefeito Vilson Roberto dos Santos nomeara como Secretário de Cultura naquele ano, Alex Della Méa. Conhecedor de todas as edições do festival, desde a primeira em 1981, até a mais recente, além de acompanhar como espectador, teve músicas de sua autoria lançadas em diversas edições do evento. Cabia a ele naquele momento, organizar a mais desafiadora de todas as edições já realizadas, a 29ª Edição.
O Corpo de Jurados foi composto por Adão Quintana, Gérson Fogaça, Dorval Dias, Paulo Bratt e Miguel Marques.
De Miguel Bicca, Máximo Fortes e Digo Oliveira e interpretada por Leonardo Paim, “O Meu Silêncio Tem Voz” foi a grande vencedora.

Premiação da 29ª Edição da Coxilha Nativista:

1º Lugar Fase Geral: O Meu Silêncio Tem Voz
2º Lugar Fase Geral: Sem Chão Pra Pisar
3º Lugar Fase Geral: Sangue

1º Lugar Fase Local: O Grito dos Sentinelas
2º Lugar Fase Local: Identidade e Raiz
3º Lugar Fase Local: Pra Parceriar um Milonga

Musica Mais Popular: O Grito dos Sentinelas
Melhor Pesquisa: Eraci Rocha – Sem Chão Pra Pisar
Melhor Instrumentista: Tiago Abib – Depois de Léguas Tranqueadas
Melhor Letra: O Meu Silêncio Tem Voz
Melhor Arranjo: Sangue
Melhor Conjunto Instrumental: O Grito dos Sentinelas
Melhor Conjunto Vocal: O Meu Silêncio Tem Voz
Melhor Indumentária: O Grito dos Sentinelas

Música Vencedora da 29ª Coxilha Nativista:

O Meu Silêncio Tem Voz – Leonardo Paim
Letra: Miguel Bicca – Máximo Fortes
Música: Digo Oliveira

A solidão quando lavra,
Vai aflorando desgostos
E afunda sulcos no rosto,
Mostrando a força que tem;
Se a gente acha que passa,
Por desigual e desgraça,
Ai mesmo que ele vem.

É talentosa e desenha
As bailarinas no fogo,
As crespas águas do açude
E abrindo os olhos sem medo,
Espalha com as mãos o vento,
Paridas pelo arvoredo!

Por isso que eu sempre digo:
“Que o meu silêncio tem voz”
Tem a prece da saudade
Buscando verdade e paz.
Num simples quarto de lua
Vê destinos que se apertam,
E um olhar correndo rua,
Embretado nas cidades!

Um dos jujos que mais cura,
É o afeto benfazejo,
Da parceria que se tem
E apesar de dividido,
Pro cachorro e pro cavalo,
A solidão, ao ceva-lo,
É um tipo de amor também.

Disco da 29ª Edição da Coxilha Nativista:

O Meu Silêncio tem Voz – Leonardo Paim
(Letra: Miguel Bicca / Máximo Fortes / Música: Digo Oliveira)
Sem Chão Para Pisar - Maurício Barcellos
(Letra/Música: Leonardo Sarturi)
Sangue – Piriska Grecco
(Letra: Rodrigo Bauer / Juca Moraes / Música: Érlon Péricles)
O Grito dos Sentinelas – Fernando Carvalho e Adams Cezar
(Letra: Volmar Camargo / Música: Marcelo Cortes de Carvalho)
Relíquias Missioneiras – Cristiano Quevedo / Juliano Moreno
(Letra: Vagner Pizzolotto da Costa / Música: Juliano Moreno / Érlon Péricles)
Depois de Léguas Tranqueadas – Jean Kirchoff
(Letra/Música: Igor Silveira)
Pescoceiro – Rainiére Spohr / Leôncio Severo
(Letra: Zeca Alves / Música: André Teixeira)
Identidade e Raiz – Gabriel Moraes
(Letra: Jorge Nicola Prado / Música: Arthur Bonilla)
Águas do Tempo – Adams Cezar
(Letra: Jaime Brum Carlos / Música: Adams Cezar)
Hace Tiempo – Cristiano Quevedo / Érlon Péricles
(Letra: João Stimamilio Santos / Música: Nelson Cardoso Mena)
De Homens e Tropas – Raul Quiroga
(Letra: Luciano Ferreira / Música: Raul Quiroga)
Pra Parceriar Uma Milonga - Gabriel Moraes
(Letra: Luiz Carlos Guerreiro / Música: Leonardo Diaz Morales)
A Solidão – Leonardo Paim
(Letra/Música: Adair de Freitas)
Olhando a Vida do Rio – Shana Muller
(Letra: Tadeu Martins / Música: Lênin Nuñes)
Mateando Só – Marcelo Cachoeira
(Letra: Jaime Izquierdo / Música: Osmar Carvalho)

Coxilha Piá

Milonga de Constâncio Soledad – Tarciane Maiara Cabral Tebaldi
(Letra: Jaime Brasil / Música: Ricardo Freire)
Carreira de Campo – Nicole Carrion
(Música: Gujo Teixeira / Juliano Gomes / Leonel Gomes)